SOBRE OS OMBROS
Tem sido uma boa vida esta que eu vivo, não sem tristeza ou dificuldades ou desespero momentâneo, mas uma boa vida, pois passei da idade em que é aceitável acreditar que a felicidade é a ausência absoluta de tristeza e que a medida do sucesso se dá pela quantidade de insucessos. Era mais fácil o sonho infantil, mas o crescimento rumo à maturidade é uma exigência do progresso. Quando menino, queria que a minha mãe vivesse para sempre, porque não concebia uma vida na sua ausência. Ela não vive mais. Mas a noção de vida do eu-menino foi reconstruída: I am my mother’s child. Nas nossas profundas diferenças e insuportáveis semelhanças, ela permanece aqui. Palavra por palavra. Queria uma porção de amigos para afastar a solidão, mas quem eu sou, senão longos silêncios e distanciamento? Longe de ser o centro da festa, a porção virou um pequeno punhado, valioso, que permanece comigo apesar da minha ausência: se não digo muito, e quase não digo, eles sabem que o pouco que digo é inafastável. Palavra por palavra. Os sonhos de menino se confrontaram com o tecido da realidade. Nem tudo se manteve, nem tudo pereceu. Transformou-se. Cumpro as exigências ciente de suas contradições para manter vivo aquilo que não sei dar o nome: alimento-me, cuido-me, protejo-me, distribuo o amor que possuo. O trabalho não me enobrece, porque enobrecimento da alma é fim, não meio, e trabalho é instrumento. Escrevo. Como se fosse a primeira e a última vez, todas as vezes. Cultivo as palavras como se fossem mágicas, porque sei que, na rara sorte de encontrar as palavras certas, a mágica se produz. Olho por sobre os meus ombros e nem sempre me identifico com o que vejo, sou sempre um Outro, daqueles que me cercam e do outro que se forma no caminho, mas não me desespero, nem me assusto: compreendo, com respeito, o sentido do Tempo.