BANHEIRO COM LUZ ATIVADA POR SENSOR DE MOVIMENTO É ARMA DO CAPITALISTA

Gabriel Schincariol Cavalcante
2 min readSep 8, 2022

Originalmente publicado na newsletter Eu posso estar errado

O capitalismo venceu, nós perdemos.

Sobre isso não há muita dúvida, as coisas são como elas são. O que nos resta é lutar pelas migalhas, pequenos fiapos de dignidade, um ou outro golpe no capital. E a utilização desenfreada do banheiro no horário de expediente, somada às pausas para o cafezinho são alguns dos últimos refúgios do trabalhador.

Se você se esforçar, é possível matar 1/3 do dia de trabalho nessa brincadeira. Tem que fazer valer. Tem que dominar a arte.

Mas o inimigo, o inimigo é ardiloso.

A invenção da luz do banheiro ativada por sensor é uma barreira potente contra o proletariado. Quando você entra no banheiro, ouve o estralo e pronto, a luz acende. Você vai até o box, ajeita-se confortavelmente, pega o celular, coloca o fone de ouvido e rola o reels inteiro, o feed completo do TikTok, vê todos os tuítes, as fotos, estoura seu pacote de dados. Ali, naquele momento, você está vencendo uma batalha perdida.

Até que a luz se apaga.

E o sensor, ele é sempre posicionado de maneira estratégica para que o(a) infeliz sentado(a) no vaso não consiga ativá-lo. Você ergue os braços. Você gesticula. Nada, luz apagada. Lá está você, depressivo, no escuro de um banheiro coletivo.

São poucas as opções:

ou você se resigna e se levanta, acabou a pausa.

ou você não se dá por vencido e fica lá, sentado no escuro feito uma alma das trevas.

ou você espera algum outro colega, também na luta contra o capital, entrar pela porta e fazer a luz se acender.

A última opção às vezes é constrangedora, quando você sai do seu box e o cara tá lá, lavando as mãos, e percebe que você estava sentado no escuro. É meio patético, mas é também uma demonstração de honra.

Tem, por fim, a estratégia de forçar a luz a acender de novo. Essa requer um pouco de talento. Envolve pegar papel higiênico em quantidade suficiente para fazer uma bolinha pesada e arremessar o objeto na direção do sensor. Repetidas vezes. Enchendo o chão do banheiro de papel.

Às vezes funciona, às vezes não.

Quando funciona, você é o Jordan nas finais de 98.

Fotografia icônica do arremesso do Michael Jordan nas finais de 98, tirada por trás do jogador. Jordan está no ar, a bola já saiu da sua mão e a torcida, ao fundo, assiste a cena. O relógio de posse marca 06.6 segundos.

Quando não funciona, bem, você é mais um trabalhador vencido pelo sistema.

Basta voltar no outro dia e tentar outra vez.

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