A NATURALIZAÇÃO DA MORTE

Gabriel Schincariol Cavalcante
2 min readJan 17, 2020

A criança, teórica por natureza, até ter os seus impulsos controlados pela lógica mercantil da sociedade, fica bastante surpresa ao ouvir falar do nazismo, do fascismo, dos movimentos genocidas que permeiam a nossa história. Como pode todo um grupo de pessoas permitir que isso aconteça? Como pode um grupo de pessoas ser tão profundamente mau?

O que nos explicam os livros é que, em dadas condições, as pessoas acreditarão em qualquer coisa. Em dada condição de humilhação e pobreza, como o pós primeira guerra na Alemanha, as pessoas estarão desesperadas por um discurso unificante que as transporte, ainda que artificialmente, da posição de submissão à posição de poder. É nesse cenário que a política nazista floresceu: as pessoas ansiavam por salvação, e o Hitler era o messias.

Os resultados são milhões de corpos empilhados, queimados, marcados. Ódio, racismo, xenofobia, homofobia, antissemitismo. Vergonha.

Até que o tempo passa.

E nós nos encontramos em outro cenário, em que a repetição da barbárie parecia — parecia! — inatingível. Um homem que fez sua vida política sobre o discurso de ódio voltado às minorias, dizendo abertamente que preferia um filho morto do que um filho gay, dizendo “eu sou homofóbico, sim”, dizendo que as minorias se curvam ou desaparecem, dizendo que vai fuzilar os adversários políticos, fazendo troça do pai desaparecido de um desafeto, dizendo que a ditadura deveria ter matado e não só torturado, dizendo que o seu herói é um notório e vil torturador e assassino, este homem é eleito presidente da república no Brasil.

Como pode uma pessoa ser tão profundamente má?

Como pode todo um grupo de pessoas permitir que isso aconteça?

Dadas as devidas condições.

O presidente, este presidente que, apesar de todas as evidências, continua a ser defendido pelos seus eleitores como autêntico, honesto, diferente dos demais, disse que “esse pessoal da esquerda não pode ser tratado como pessoa normal”. Autêntico, honesto, diferente dos demais. “Esses judeus não são pessoas normais”. “Esses pretos não são pessoas normais”. “Esses viados não são pessoas normais”.

Ainda assim, insistem em dizer que não há um flerte fascista. É um governo liberal, que irá mudar esse país para melhor.

Então o secretário da Cultura faz um pronunciamento oficial. Nesse pronunciamento oficial, a trilha sonora é de Wagner, citada no livro Mein Kampf, de Adolph Hitler. E embalado por essa trilha sonora o secretário parafraseou com incrível perfeição o discurso de Goebbels, famoso ministro da propaganda do regime nazista.

Autênticos. Honestos. Diferentes dos demais. Hegemônicos. Superiores. Valentes. Escolhidos por Deus.

Como pode todo um grupo de pessoas permitir que isso aconteça? Como pode um grupo de pessoas ser tão profundamente mau?

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